domingo, 7 de outubro de 2012

Prepúcio


Sabemos todos que o Deus descrito no Antigo Testamento era pouco benevolente no que toca a desrespeitar as suas ordens. Não precisavam de ter uma lógica ou moral por trás; muitas vezes, Deus mandava só para ver quem lhe obedecia. No Livro do Êxodo, há um momento em que Deus pretende matar Moisés pelo facto do seu primogénito não ser circuncisado. E é quando Deus está prestes a obliterar o profeta que a sua mulher, Zípora, num acto de frieza, coragem e perversidade, pega numa pedra aguda, rasga o prepúcio do seu filho e atira o pedaço ensaguentado de pele peniana aos pés do marido que acabou de salvar. Deus, não só porque já não tem motivos para matar Moisés, como também, acrescento eu, assustado pela barbaridade repentina da mutilação, deixa a família do profeta em paz.

Convosco partilho esta mágica passagem depois de ter descoberto algo que ignorava imperdoavelmente: o prepúcio dilacerado de Jesus Cristo é uma relíquia da Igreja Católica. Sabia, por conhecimento das tradições judaicas, que o prepúcio do nazareno havia sido provavelmente cortado; não tinha conhecimento, no entanto, que a sua pertença era tão disputada por várias igrejas e que até vários milagres foram já atribuídos a esta preciosa membrana.

Não tenho a certeza da utilidade desta informação, nem da pertinência da sua partilha com os leitores. Talvez não sirva para mais do que pelo intrínseco valor humorístico da crença em milagres realizados pelo pedaço de pele que cobria a parte superior do pénis de Cristo. Desejo, pelo menos, que algum leitor se tenha sentido impelido a redigir uma obra à imagem de "O Código Da Vinci", mas com todas as pistas a levarem a um desenlace surpreendente onde é descoberto o paradeiro, não do Santo Graal, mas do sacro prepúcio do Senhor.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Chuck Norris





O ponto mais alto da febre Chuck Norris já passou, mas esta ainda subsiste. A real dimensão deste fenómeno verdadeiramente cultural, à escala planetária e instilado nas teias da Internet, é incognoscível, dadas as estratosféricas referências. Como nenhum terráqueo, Chuck Norris é omnisciente, omnipresente e omnipotente. Os mais ousados dirão que teve nas suas narinas a origem do furacão Katrina e que o desastre nuclear de Fukushima teve ocorrência após ter degustado a feijoada da cantina de Direito. Tudo pertence, como é evidente, a um cúmplice imaginário colectivo a que a Carlos Ray Norris Jr somente cabe não fazer nada de muito clamoroso para contrariar.

Cabia. Somente cabia. É precisamente aqui que quero chegar. Acabou: quem quiser continuar a fazer estas piadas com legitimidade que não veja o vídeo que encima este texto. Embora, doravante, o fará com a ténue legitimidade do não conhecimento da situação. O mais fascinante é que bastam apenas os oito segundos iniciais para tudo ruir. Quando estamos a falar de um espécime que em si concentra mais testosterona que a soma de todos os demais, a Chuck Norris não basta sê-lo virtualmente, tem de o parecer. Não pode principiar a sua intervenção aparentando ser um dançarino homossexual esquizofrénico enquanto se apresenta a si e à sua mulher. Muito menos afirmar, de seguida, que ali se encontra para falar de uma preocupação que todos partilhamos. A ele? Chuck Norris não tem qualquer tipo de problema, muito menos mundanas preocupações. Nem partilha o que quer que seja com os remanescentes seres viventes. 

A totalidade do vídeo é uma afronta ao comum mortal com o mínimo de capacidade crítica. Tanto em forma como em conteúdo é puramente burlesco. Consigna expressões que até para a demagogia são demagógicas, como: “the way of socialism or something much worse” e “We will preserve for our children this last best hope of man on earth, or we will sentence them to take the first step into a thousand years of darkness”. 

O aviso está dado: quem votar em Obama poderá contar com a verberação de Chuck Norris. Pouco interessa. Não haverá mais quem acredite, nem o maior dos inocentes e dos cobardes, que Chuck Norris irá, com impiedoso estropício, interpelar esses hereges dissidentes num plácido momento no seio do seu lar. É sempre miserável, embora seja sempre assim que acontece, quando a destruição de um ícone vem com a sua fatal e incontornável humanidade.