segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Espiritismo


A palavra espírito e suas variantes são atiradas aos sete ventos: há o espírito de sacrifício, o espírito de equipa, o espírito das leis, as bebidas espirituosas, as pessoas espirituosas, o espírito santo (o banco e o terceiro componente da santíssima trindade), os espiritistas.

A conotação religiosa provoca-me uma certa aversão ao termo "espírito". Ao termo, não ao conceito. O conceito é mutável em certos aspectos, mas tem inevitavelmente em comum a noção de transcendência humana. Remete para uma quarta dimensão, inalcançável à lógica humana. A sua significância original é, no entanto, facilmente explicável: é aquela área indetectável do corpo onde reside a dor não-física.

Essa dimensão impalpável é, para alguns, de origem divina; para outros, como eu, é um fruto mental. No plano mental, existem, no entanto, dois aspectos distintos: o racional e o instintivo. Se a dor pudesse ser anestesiada racionalmente, não seria possível sequer conceber uma existência espiritual. Aquilo a que chamamos espírito tem na dor o plano concreto e na sua inexplicabilidade e indetectabilidade o seu plano abstracto. Daí, como eu disse, não se dever encarar o termo espírito com a denotação de qualquer tipo de existência extra-corporal, mas sim, como disse, como esse plano indefinido onde se manifesta a dor humana.

A dor que aqui falamos é a angústia do desconhecimento crónico do sentido da existência. Religião, filosofia e ciência nasceram do mesmo princípio. Com perspectivas e métodos distintos, todos tentam o mesmo: aclarar o desconhecido; amenizar a dor, tranquilizando o espírito. Todos falharam. Daí que a minha perspectiva da sabedoria nada tem a ver com o plano espiritual. É exactamente o oposto: provém da conformação da vida como algo terreno, casual e fugaz. Se não há uma verdade absoluta que acalme essa dor, nada nos resta senão entender o máximo da realidade onde nos encontramos prisioneiros, de forma a lidar com ela da forma mais sagaz possível. E encontrar o equilíbrio entre o egoísmo inato e saudável e o altruísmo que é respeitar os egoísmos dos outros que partilham, no plano espiritual, a mesma dor que nós. Quer crentes, quer ateus; que a mim também me dói ocasionalmente a alma, mesmo não acreditando que ela exista.

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