quinta-feira, 27 de março de 2014

As Faces de Cristo


“The greatest hazard of all, losing one’s self, can occur very quietly in the world, as if it were nothing at all. No other loss can occur so quietly; any other loss - an arm, a leg, five dollars, a wife, etc. - is sure to be noticed.” - Soren Kierkegaard

Durante a minha jornada pela Europa, eu visitei diversos museus importantes - o National Gallery em Londres, a Galeria Uffizi em Florença, o Museu do Vaticano, o Louvre em Paris, Rijksmuseum em Amesterdão. Nessa peregrinação maravilhosa eu tive diversas epifanias ligeiras sobre a natureza da existência, observei in loco os hábitos alimentares das diversas raças europeias e cheguei a uma conclusão muito importante: eu queria fazer aquilo para sempre.

A dádiva de viajar proporciona uma rara sensação de esperança eufórica que é impossível de ser recriada no quotidiano sedentário da humanidade neolítica. Existe uma liberdade indescritível em poder escolher rumos infinitos por este continente glorioso. A distância da tecnologia traz uma claridade mental que apenas pode ser descrita como um estado primitivo de paz nirvânica. A ansiedade ligeira que vive alojada no núcleo incandescente dos nossos cérebros - que eu nem sequer sabia que existia - desaparece, e traduz-se numa concretização inesperada da capacidade de viver no momento.

Uma multitude de atributos – vaidade, orgulho, ambição, raiva, inveja – desaparecem da balança mental, e o seu peso deixa de se fazer sentir na racionalização mental e na ponderação accional. O poder da viagem é tão grande que as minhas descrições desse fenómeno transformam-me num guru budista irritante que vê no asceticismo uma quimioterapia espiritual e que secretamente deseja que toda a humanidade fizesse cessar o sustento doentio do produto interno bruto. A flacidez das almofadas deixa de importar, a inutilidade do colchão deixa de irritar, a alimentação ganha uma dinâmica utilitária e deixamos de ser tão exigentes com a higiene de uma casa de banho.

Mas um aspecto recorrente que me pareceu peculiarmente interessante foi outro. Os museus expunham inúmeros quadros onde a figura proeminente era Jesus Cristo: o recém-nascido abençoado, o bebé nos braços da mãe, o adulto iluminado, o mártir crucificado, o homem morto, o ídolo ressuscitado. A tipologia que mais me impressionava era a representação de Jesus como um homem, virado para a frente, a olhar directamente na nossa direcção.

Em muitos quadros, o olhar era passivo e espectral, como se o homem soubesse que a sua permanência neste mundo não iria durar muito mais tempo. Em outros, ele parecia desgastado e severo, como um mineiro a descer no elevador da mina, que sabe que nada de bom o espera nas profundezas. Em casos raros, ele mostrava expressões faciais completamente ausentes da escala emocional humana, em que as suas características levavam-nos a crer que Jesus Cristo sabia de algo que nós nunca seríamos capazes de compreender. Mas o que todos aqueles quadros tinham em comum é que nenhum deles cedia à tentação de retratar Jesus Cristo como um idiota feliz retirado directamente da propaganda norte-coreana.

No entanto, nenhum daqueles quadros representa a verdade. Nenhum daqueles pintores, por mais talentosos que fossem, foi uma alma iluminada com acesso a um canal directo para o divino. As particularidades das obras, neste caso a face de Jesus Cristo, contam-nos mais sobre as intenções esperançosas do artista, do que sobre as intenções verdadeiras do filho de deus. No momento da criação aqueles olhos olhavam directamente para o pintor, que se via forçado a ver na tela branca um espelho indirecto. O resultado disso é que não se vislumbra uma réstia de compaixão naqueles olhos. Mas também não se vislumbra qualquer sinal de julgamento. O instinto do julgamento é uma ferramenta automática das tendências mais desprezíveis da consciência humana. É uma das bases primordiais dos nossos sistemas socioculturais. A negação desse instinto é uma das mensagens da estória cristã e um objectivo valoroso de todo um movimento artístico.

As figuras daqueles quadros não fazem brotar sentimentos de culpa, antes intensificam aquilo que o contemplador já sentia antes do confronto. E, infelizmente, na maior parte das ocasiões, essa intensificação incide sobre sentimentos negativos. Mas nesses quadros, Jesus não demonstrava o desapontamento paternal resultante de um julgamento. Era pior. Era um desapontamento que ele parecia tentar não deixar transparecer. Era a desilusão tão humana que ele tinha em si mesmo. Era a desilusão dos pintores, a nossa desilusão colectiva na humanidade, a nossa desilusão individual em nós próprios. Isso é algo que, julgo eu, é recorrente no ser humano. Nós somos os nossos piores juízes. Nós gostamos de nos sentirmos mal sobre nós próprios.

Isso foi, em parte, o que permitiu a rápida disseminação da Cristandade pelo mundo. A interpretação da religião cristã tende a confirmar os nossos piores medos. O medo de que somos todos potenciais demónios a vaguear na terra, e que a bondade está restrita aos mártires, anjos e santos. Essa tendência leva-nos a projectar deuses perfeitos que vivem em reinos inacessíveis, e faz-nos esquecer que o desapego ao julgamento, especialmente sobre nós próprios, é o ideal mais nobre a que a alma humana pode aspirar. No Livro de Génesis, quando Deus afirma que criou o Homem à sua imagem, essa não é a expressão omnipotente da sua bondade infinita na Criação. É apenas o Homem a ver-se, desapontado, ao espelho, e a decidir, desesperado, criar uma mentira que consiga fazê-lo esquecer, mesmo que momentaneamente, que a vida é injusta, a morte é certa e o julgamento, tanto humano como divino, é uma tragédia inevitável.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Sósias

Uma das maiores particularidades que nos distingue enquanto indivíduos será sempre a nossa capacidade de percepcionar parecenças entre as pessoas. Todos nós já estivemos na posição de partilhar com um grupo de amigos que duas pessoas são, aos nossos olhos, a cara chapada um do outro, para sermos confrontados, como resposta, com confusão e indignação. Pouco haverá de mais frustrante do que alguém nos dizer que duas pessoas, que nós vemos como gémeos separados à nascença, nada têm a ver uma com a outra.

Estas semelhanças não são efectivamente, na maioria dos casos, de detecção instantânea. Por pertencerem a contextos distintos, não damos por ela até que o nosso cérebro acenda uma lâmpada e ilumine a inevitável associação, que sempre esteve à frente dos nossos olhos. Reparem, por exemplo, como o actor Adrien Brody, d’O Pianista, é igualzinho ao actor português Miguel Guilherme. No outro dia, o tenista João Sousa eliminou o cotadíssimo Gilles Simon, que é inegavelmente semelhante ao actor Joaquin Phoenix.

Alguns de vocês já protestarão por esta altura, por impulso, sem atentar devidamente aos traços faciais dos pares que enuncio. Cada um vê com os olhos que tem, e nunca com outros. Mas não neguem, por favor, que o actor Kit Harigton, conhecido por Jon Snow de Game of Thrones, é a reencarnação do Jim Morrison, vocalista dos The Doors. Nem que o Pedro Martins, treinador do Marítimo, é o irmão campónio do nosso primeiro-ministro.

Já que estamos no futebol, digam lá se o Chicarito do United não tem parecenças com o Bruno Mars. Não recusem de imediato, considerem e vejam mais além. Tal como têm o Walcott, jogador do Arsenal, e o automobilista Lewis Hamilton. O Tymoschuck é, sem tirar nem pôr, o Kurt Cobain, assim como o Ricardo, jogador do Porto, é a versão humanizada do papagaio Zazu, do Rei Leão. E o Khedira é muito parecido com a versão Ali G do Sasha Baron Cohen.

Se o leitor vai lendo estas linhas abanando a cabeça em jeito de discordância, um desafio: visite a página da wikipédia do poeta Edgar Allan Poe e veja se consegue ignorar que a foto tem de ser, na verdade, do actor Bill Murray caracterizado.

Naturalmente, já estou habituado a carregar o ónus de abrir os olhos à população. Para já, esta é composta apenas pelos meus escassos leitores. Àqueles que discordaram das minhas associações estéticas, fica o conselho de serem mais minuciosos na observação. Aos outros, agora que a minha palavra é suficiente, e desprovido que estou de provas visuais do que vou afirmar, garanto que uma das minhas tias-avós alemãs é igual ao Mick Jagger e que a minha mãe, quando sorri, é tão parecida com a Janis Joplin que já lhe pedi que cantasse a “Piece of my Heart” para tirar as teimas. Não é ela.

domingo, 23 de março de 2014

Acertar à primeira


“Se em tudo o mais forem idênticas as várias explicações de um fenómeno, a mais simples é a melhor" - Guilherme de Ockham

Ele tinha entrado na esquadra às duas e meia da manhã, chegado junto ao balcão da recepção e exigiu ser preso. O agente de serviço reconheceu o cheiro a álcool e ignorou as palavras, esperando poder voltar para as palavras cruzadas que o mantinham entretido durante o turno mortificante da madrugada:

- “Prenda-me.”

O homem tinha pelo menos cinquenta anos. Era uma daquelas pessoas abençoadas com a dádiva inexplicável de um envelhecimento generoso. A voz fraturada denunciava a sua verdadeira idade. O seu cabelo era castanho e estava penteado com brilhantina. A barba era grisalha e bem aparada. Ele vestia um fato preto completo feito à medida. Não tinha entornado uma única gota de álcool no casaco. A roupa parecia ter sido engomada naquele mesmo dia.

- “Prenda-me, caralho.”

Ele cheirava a água-de-colónia. A única razão que permitiu o agente identificar o cheiro a álcool foi o homem ter-se debruçado sobre o balcão. Ele não se tinha dirigido para o balcão a cambalear. As suas mãos não faziam movimentos desajeitados. Ele tinha-as pousado no balcão, completamente abertas, com as palmas na superfície. O seu piscar de olhos mantinha-se ágil e pouco frequente. A sua postura era ergonómica. As costas não se vergavam e o pescoço mantinha-se hirto. Ele não alternava o peso do corpo entre as duas pernas, como uma criança amuada faria numa situação de espera.

- “O senhor está bem?” – perguntou o agente.

O agente sentiu-se estúpido a fazer aquela pergunta, mas não sabia o que haveria de dizer. Ele estava no segundo ano de serviço. Não era a primeira vez que o agente tinha-se deparado com um indivíduo alcoolizado a realizar exigências absurdas, mas nunca tinha ouvido aquela exigência em particular. O homem não respondeu à pergunta, mas a sua inexpressividade impávida alterou-se para um sorriso lamentoso. Ele levantou os braços e esticou-os, com a parte interior exposta, para facilitar a colocação das algemas.

- “Prenda-me, se faz favor.”

O agente ficou confuso. Era como se o homem pensasse que o problema fosse a falta de boa educação no seu pedido.

- “Desculpe, meu senhor, mas eu não tenho legitimidade para o prender. O senhor não cometeu nenhum crime.”

O homem debruçou-se sobre o balcão e esbofeteou o agente com a mão direita. Ele colocou os braços atrás das costas e sentou-se no chão à espera da concretização do seu pedido. O agente ainda se manteve sentado durante alguns momentos. A estalada não tinha sido forte, mas ele não tinha qualquer alternativa. Levantou-se, gritou pelos dois colegas que estavam na sala ao lado, e algemou o homem. Apenas um dos agentes saiu da sala.

- “O que se passa?”
- “Este homem acabou de me agredir.”
- “O quê?”
- “Este gajo bateu-me, caralho. Ele entrou aqui e pediu para ser preso. Eu disse-lhe que não podia prendê-lo e ele bateu-me. O que fazemos?”
- “O que é que achas? Temos de prendê-lo. Não há outra alternativa.”

Os agentes processaram a papelada, comunicaram o evento ao tenente e levaram o homem para a cela colectiva da esquadra, onde já estavam um homem que tinha tentado roubar uma câmara a uma turista e um arrumador de carros que tinha arranhado um veículo.

- “Queres explicar-me o que se passou realmente?”
- “Não sei, pá, não consigo entender isto. Eu juro que foi mesmo como eu disse. O velho entrou aqui, sem qualquer agressividade, e exigiu ser preso.”
- “Ele está podre de bêbado.”
- “Eu sei, nota-se, mas o homem aguenta bem o álcool. Ele não arrastava palavras. Não parecia confuso. Nada.”
- “O que é que pode levar alguém a querer ser preso?”
- “Talvez o gajo matou alguém, arrependeu-se e veio aqui poupar-nos trabalho. Já viste se há alguma notificação de homicídio nos canais de comunicação?”
- “Não há nada. Já falei com as outras esquadras. A noite está calmíssima.”
- “Talvez isto é alguma espécie de activismo político. Talvez o gajo esteja a tentar passar alguma mensagem sobre a crise actual. Se calhar o gajo é famoso e chamou as estações de televisão antes vir aqui.”
- “Alguma coisa tem que ser. É melhor a gente telefonar ao Major. Este gajo ainda acaba por ser alguém importante e a gente é que fica aqui a segurar a granada. Ninguém aparece aqui e pede para ser preso. Não disseste que ele estava a usar um fato caro?”
- “Caríssimo! Aquilo era seda ou uma qualquer coisa assim. Tem mesmo que ser alguém importante. Ouve o que eu te digo. Isto vai dar merda. Mas é melhor não acordar o major. Ele entra às sete e meia. Quando ele chegar nós contamos tudo.”

Passaram quatro horas. Já tinha amanhecido, mas ainda faltava uma hora para o Major chegar. Os dois agentes continuavam a especular sobre os motivos misteriosos do homem.

- “Talvez morreu alguém. O gajo estava com roupa de funeral.”
- “É possível. Aposto que morreu-lhe a esposa. Agora ele está arrependido por tê-la tratado mal e veio aqui para se crucificar.”
- “Tem que haver alguma razão.”

O terceiro agente de serviço apareceu na sala da recepção. Ele tinha acabado de voltar das celas.

- “Quem é o homem de fato na cela colectiva?”
- “É um homem que chegou aqui de madrugada, pediu para ser preso e, depois de eu recusar, deu-me uma estalada.” – disse o primeiro agente.
- “Agora estamos aqui a tentar perceber as razões do homem” – disse o segundo agente.
- “Nós achamos que o gajo é alguém importante e que isto é uma alguma espécie de acto político” – disse o primeiro agente.
- “Ou ele matou alguém e arrependeu-se.” – disse o segundo agente.
- "Ou ele está farto de viver." - disse o primeiro agente.
- "Ou ele está desempregado há tanto tempo que não aguenta mais" - disse o segundo agente
- "Ou foi à falência e agora está arruinado" - disse o primeiro agente
- "Ou a mulher descobriu que ele tinha uma amante" - disse o segundo agente

O terceiro agente coçou a cabeça e disse:

- “Eu não sei, pá. Quando eu passei nas celas, ele estava a dormir, mas acabou por acordar com o barulho das chaves. Chamou-me e disse que não sabia o que estava a fazer ali. Tinha vomitado na cela toda. Já vos ocorreu que o gajo devia estar podre de bêbado? Vocês nunca fizeram coisas estúpidas enquanto estavam assim?"

sexta-feira, 21 de março de 2014

Palma

Amanhã o Público lança, no contexto da Colecção Canto&Autores, o CD de estreia do Jorge Palma, acompanhado por um livro que recorda a sua vida e obra. Custa menos de sete euros, e vou adquiri-lo.

O álbum não é, musicalmente, o meu predilecto do artista. É, no entanto, um álbum rico em duas vertentes. Primeiro, o contexto histórico justifica redobrada atenção ao seu processo criativo. Em 1973, largou o país e voou para norte, onde se instalou como exilado político na Dinamarca. Sempre preferiu passear a guitarra pelo mundo civilizado do que a espingarda pela África colonizada. Arranjou emprego num hotel, que serviu de sustento enquanto escrevia e compunha canções em casa, onde vivia com a sua primeira mulher. Foram essas composições que publicou em 75, de regresso a um Portugal livre. Tal como na música, partilhou com os ouvintes a aventura fora do país e deu-lhe o seu infalível cunho pessoal: baptizou o álbum de "Com uma viagem na Palma da mão".

Musicalmente, e é esta a segunda vertente, acusa natural juventude. A voz, essa então, é quase irreconhecível, virgem da rusticidade que os anos de álcool e tabaco lhe conferiram. Apenas em alguns momentos se reconhece o timbre, como numa foto antiga em que as feições são as mesmas.

Quase todas as músicas do "Com uma viagem na Palma da mão" foram ignoradas pelo tempo, mesmo pelo próprio. Contudo, há que destacar um ambiente de música de intervenção distinto dos demais. Mais vivo, mais cosmopolita, mais optimista dentro da desgraça. Tem influências que o acompanharão no resto do percurso musical, como os acústicos americanos Bob Dylan e Simon & Garfunkel, mas também com muito bluegrass, muito jazz. Houve-se também muito Elton John nas entrelinhas. Mostra também já a poesia de que é feito, o lirismo que o destacará como um dos artistas portugueses mais consagrados.

Tive o prazer de o ver duas vezes ao vivo. Uma foi a solo, no Coliseu, onde actuou com o seu filho Vicente. A outra foi com os Cabeças no Ar, uma fantástica superbanda portuguesa de apenas um álbum, composta pelo próprio, por João Gil, Tim e Rui Veloso. Foram a Guimarães, e protagonizaram um extraordinário concerto, genuíno e íntimo.

Actualmente, a sua imagem pública é desgraçada. Graças a recorrentes episódios de duvidoso decoro, as pessoas apenas reconhecem a Jorge Palma os vícios que este não faz por esconder e só conhecem as músicas mais recentes, a anos-luz da genialidade que foram as suas composições, sobretudo no percurso ascendente de maturação dos anos 80 e que lhe permitiu expelir pérolas como o brilhante "Lado Errado da Noite".

Felizmente, a obra está aí e é demasiado boa para não ser partilhada. Rogo aos amantes da boa música que percam tempo a explorar o portefólio de um homem que transpira música, de um aventureiro, de um artista que eleva este epíteto à sua verdadeira dimensão, uma dimensão de mais sofrimento do que prazer, mas dentro da inevitabilidade de um percurso que lhe estava traçado no sangue.

As pessoas merecem conhecer a tua poesia musical, a tua música poética. Faço a minha parte, Jorge, o resto é contigo.

segunda-feira, 17 de março de 2014

Há ler jornais e há ler o Expresso

O meu processo semanal de leitura do Expresso é faseado e ritualizado. Começo, como em quase todas as publicações periódicas, pelo final. Exploro celeremente a contracapa, lendo sem atenção curtas notícias e a crónica de um dos Henriques, o mais velho, o Monteiro, homem de verdades, mas de arrogância infundada.

Prossigo na mesma direcção, em contramão. Segue-se o desporto, leitura desnecessária por eu obter toda a informação de que necessito nesta área de outras fontes mais especializadas. Leio na mesma, contudo, pela frescura da escrita que transforma totalmente a abordagem aos temas; e por, admito, não resistir a sugar toda a informação, mesmo que redundante, sobre o desporto-rei. Nesta secção, é agradável acompanhar a tabela “Palpites”, em que figuras públicas afiançam semanalmente aquele que eles acham que será o desfecho dos jogos dos grandes; são-lhes posteriormente atribuídos pontos por cada palpite certeiro. E é sintomático ver este ano a posição de Manuel Serrão, incorrigível portista e optimista, que augura sempre o sucesso do seu clube e o insucesso do rival, e que figura no último lugar da tabela classificativa.

Desfolhando mais para trás, descobre-se o In Memoriam, um texto necrológico acerca de uma figura internacional relevante que tenha falecido na semana relativa à publicação. O conceito é idoso, mas assume uma nova alma por ser assinado pelo genial José Cutileiro, que produz autênticas odes a heróis e vilões, a homens cuja história de vida, muitas vezes, ignorava e que passo conhecer, fascinado pelo factual de que a história se encarregou, e pelo lírico que Cutileiro, um ex-embaixador que sabe tudo o que há para saber acerca da diplomacia internacional, se incumbe brilhantemente de redigir.

A seguir, opinião. Um antro de ódios, paixões e indignações com o condão de não permitir que nenhum leitor o explore sem sentir também ele ódios, paixões e indignações, sejam os mesmos, sejam exactamente os opostos. Delicio-me com o segundo Henrique, o mais novo, o Raposo, sujeito que imagino insuportável no convívio diário, mas de inegável talento e perspicácia. A seguir, um pouco de Daniel Oliveira, sempre divertido em doses moderadas, de punho erguido contra o sistema, que tem a particularidade de conseguir ser histérico organizadamente. Discordo das suas ideias, mas sabe expô-las; grita e barafusta, mas através de alíneas.

De seguida, os gémeos Avillez Figueiredo e Pedro Adão e Silva. Não tendo relação de sangue, são gémeos de género: dois senhores à volta dos 40 anos, jornalistas-politólogos de profissão, que escrevem na mesma página do jornal, expressando as mesmas preocupações económicas, usando o mesmo registo que alterna a subtileza da ironia com a dureza dos números, por baixo de uma foto com um sorriso semelhante. Leitura que tem tanto de útil como de fastidiosa.

A seguir, alto lá. Com uma rápida vista de olhos às páginas seguintes, concluo que surgem em número alarmante as palavras empreendedorismo, franchising, marketing, administração, inovação científica, tecnologia, estratégia, gerenciamento e globalização. Não é para mim, voltarei à linearidade da imprensa clássica e recomeçarei pelo início.

Pedro Santos Guerreiro recebe-me com um rasgado sorriso, cuja jovialidade não consegue reproduzir na palavra escrita. Ricardo Costa é, em bom português, um chato de merda. Não deve dar para aguentar dez minutos à mesa com este enfadonho e maçador indivíduo. É um tipo inteligente, mas é cinzento, sem carisma e sem relevantes aptidões. Raramente perco tempo a ler os seus escritos. O extraordinário Pedro Mexia, um oásis de inteligência e ponderação, fecha com chave de ouro a minha exploração dos artigos opinativos. Nunca leio o Sousa Tavares: armado em paladino da (sua) verdade, é mais socialite que jornalista; tem a mania que é polémico, mas é inócuo e desconhecedor.

Finalmente, chego às verdadeiras notícias, na pureza do conceito. Política nacional, economia, mundo. Notícias a fundo, que se distanciam do padronizado formato e das já muito disseminadas informações, intercaladas com curiosas reportagens e interessantes entrevistados. Design organizado e discreto, informações gráficas constantes e relevantes. A crise na imprensa é muito mais que económica. Consequência ou não da menor procura, a inevitável adaptação dos órgãos de comunicação ao jornalismo 2.0. não precisava de passar, mas passou, por uma deterioração dos princípios jornalísticos. Não porque os princípios foram esquecidos; são, de resto, constantemente evocados. Mas são ignorados, por grande parte da comunicação, seja em nome de um bem maior, a subsistência, seja em virtude da pura inabilidade dos profissionais. Neste contexto, parece-me importante realçar a qualidade do trabalho jornalístico do Expresso, longe da perfeição, mas que é competente sem ser elitista, informativo sem ser maçador.

Dito isto, uma breve crítica: entendo que a imensidão de conteúdo complique o processo que vou sugerir, mas deviam considerar um formato mais compacto. Até a mim, portador de compridos membros superiores, a leitura do jornal é um desafio, uma constante luta contra as colossais páginas que insistem em mover-se, em que as letras na parte superior da página são ilegíveis e em que cada desfolhar é semelhante ao movimento de nadar de bruços. Corrijam isto, caros editores, e terão em mim um fã para a vida.

terça-feira, 11 de março de 2014

Um Ponto Filosófico de Situação Existencial


“Quem vive sob o domínio da sensação tenta realizar todas as possibilidades, mas estas não lhe proporcionam mais do que uma actualidade transitória. A ameaça do tédio é perpétua e consequentemente a busca de novidades conduz, em última instância, ao desespero” - Soren Kierkegaard

"Que ideia tenho eu das cousas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas)."
- Alberto Caeiro

(Devido aos constrangimentos dos blogues com meio de expressão, as ideias aqui discutidas são apresentadas numa forma simples, reconhecendo que, no meio da minha ignorância técnica, sem o devido enquadramento filosófico, fundamentação teórica e exposição meticulosa das racionalizações subjacentes, muitas das afirmações e conceitos aqui inscritos poderão parecer redutores e facilmente contrapostos com objecções conhecidas.)

A história do sacrifício de Isaac é, ao mesmo tempo, a história mais interessante do Antigo Testamento, a lição mais interessante da filosofia ocidental e a pintura mais bela de Caravaggio. Deus ordena Abraão que sacrifique o seu filho Isaac. Abraão é assombrado por uma ordem divina tão cruel, mas, mesmo com uma imensidão de dúvida, leva Isaac para o cimo de uma montanha e amarra-o num altar sacrificial. No momento em que levanta a lâmina para acabar com a vida do seu próprio filho, Abraão é interrompido por um anjo, que comunica-lhe que Deus agora sabia que ele tinha fé.

O filósofo dinamarquês, Kierkegaard, argumentou que esta história representa a progressão final da atitude livre do homem para com a vida. De acordo com o autor existem três fases nessa progressão: a estética, a ética e a religiosa. O indivíduo tenta viver de acordo com os ditames da beleza e do prazer, mas sente as limitações intrínsecas da gratificação instantânea. O plano ético surge com a ansiedade sobre essas limitações e quando o indivíduo preocupa-se com as implicações morais das suas acções relativamente aos outros. A impossibilidade de aceitar o absolutismo moral do plano ético sem a existência de Deus leva o indivíduo a aceitar a fé da fase religiosa. Essa transição final é a história de Abraão e Isaac. O pai sabia que matar o seu filho era moralmente errado, explicitamente errado segundo a moral divina, mas, sendo comandado por Deus, realizou o sacrifício num acto supremo de fé.

A redoma protectora que os nossos pais instalam quando nascemos é imaterial. É um aquário maravilhoso de amor e boas intenções. Ela é a lente correctiva que nos permite ultrapassar a fragilidade da infância sem questionarmos o mundo que os nossos pais juram estar à nossa volta. Apenas é possível vê-la no passado, quando já estamos do outro lado, fora da sua alçada. Ao pensar na minha experiência dentro dela, eu vejo nitidamente um vidro cristalino que me acompanhava sempre, que impossibilitava o acesso à visão desconstruída do mundo nas suas partes constituintes e que transformava os progenitores na autoridade benevolente final.

A adolescência é a fase em que saímos dessa campânula parental. Aproximamo-nos inconscientemente da sua superfície e, suspeitando a sua presença, passamos para o outro lado e recebemos um choque existencial. Do outro lado a razão diz-nos que aquilo que fazia sentido é apenas um fenómeno auto-referencial, e aquilo que tinha significado é apenas um fenómeno aleatório. No entanto, ainda sentimos as emoções derivadas do sentido e do significado. O amor da nossa mãe não tem significado, mas ainda sentimos os seus efeitos. Esse conflito – a noção simultânea de que tudo importa e nada importa - tem um potencial destruidor. O concretizar do quotidiano estagna quando o infinito absorve o finito. Os nossos pais passam a ser os recipientes de uma enorme raiva devido ao seu papel como propagadores da Grande Mentira. É difícil pensar num emprego, ver um filme, ou estar com amigos, quando não sabemos qual é o nosso lugar no universo. Este é o problema básico do existencialismo filosófico.

Qualquer criança se depara com o dilema existencial quando recebe as respostas rebuscadas de adultos face às questões mais básicas: por que nascemos, de onde viemos e para onde vamos. Eu nunca ultrapassei este problema. Eu tenho uma experiência maior em lidar psicologicamente com o desespero que dele advém, mas não há nenhum trabalho literário, corrente filosófica ou dogma religioso que consiga eliminar ou resolver este problema. O ser humano sintetizou várias substâncias incapazes de produzir respostas, mas capazes de fazer com que a pergunta desapareça momentaneamente. No entanto, também este efeito meliorativo acaba por cessar. Existem pessoas capazes de ignorar este problema, vendo um imperativo existencial satisfatório na obtenção de prazer e no colmatar da dor. Eu adoraria conseguir viver satisfeito nesse hedonismo moderno ou no naturalismo humilde de Alberto Caeiro, mas, na minha experiência, o sofrimento mental superioriza-se sempre ao prazer físico e, apesar da sua genialidade no papel, Fernando Pessoa morreu de cirrose hepática aos quarenta e sete anos de idade, dificilmente sendo considerado um protótipo de uma vida bem vivida.

Para efeitos de simplificação radical, eu vejo o mundo em duas visões. As duas visões são quase diametralmente opostas, aparentemente irreconciliáveis. Na visão do pessimismo o mundo é uma sopa aleatória de moléculas, onde as nossas vidas são apenas ilusões desprovidas de significado, sem qualquer desígnio aparente. A nossa existência é uma eventualidade irrelevante do cosmos. Os grandes conceitos da humanidade – felicidade, amor, altruísmo – são apenas mecanismos evolutivos expressos em variações bioquímicas no cérebro com o objectivo de sustentar a manutenção de um sistema de organização de matéria. A moral, a ética e a lei são apenas linhas imaginárias na areia da praia universal. A vida, alegria, sofrimento e morte são tão significativas quanto a transformação estelar de hidrogénio em hélio, erupções vulcânicas, a sobreposição de sedimentos rochosos ou a trajectória errante de cometas e meteoros. O conceito de deus não tem qualquer lugar nesta visão. O absolutismo nesta visão é visceralmente incapacitante. No fundo deste poço, não é possível sair da cama.

Na outra visão o mundo é um colosso de ordem onde as nossas vidas são a procura significativa de felicidade, regidas pelo certo e errado, com o desígnio supremo de honrar Deus através da prática do amor. A nossa existência é a expressão do acto da Criação de uma entidade perpétua cuja natureza não compreendemos na totalidade. Os grandes conceitos da humanidade – felicidade, amor, altruísmo - são razões absolutas para viver. A moral, a ética e a lei representam o quadro orientador da operacionalidade dessas razões absolutas. O mundo orgânico dispõe, na sua essência, de uma supremacia existencial sobre o mundo inorgânico. Existe mais significado no núcleo de uma ameba unicelular do que em todas as galáxias e buracos negros deste universo. O conceito de Deus é inseparável desta visão. O absolutismo nesta visão é impossível, pois a lista de argumentos contrários é demasiado extensa para ser completamente ignorada. Sobre as especificidades características atribuídas à entidade divina – omnisciência, omnipotência, omnipresença – não me pronuncio, apesar de existirem diversos argumentos a favor e contra. A minha concepção de Deus admite apenas a entidade criadora em si, e, ao assumir que a sua existência se dá num plano incompreensível para a mente humana, fora do tempo e do espaço, não me pronuncio sobre os seus atributos, por tal não ser possível.

Depois de ter passado muito tempo preso na ideia de que eu tinha que escolher uma destas visões, a minha solução foi aceitar as duas visões. Não consiste em fundi-las dialecticamente, mas em aceitar a sua possibilidade e as suas respectivas eventualidades ao mesmo tempo. Envolve alguma resignação, algo que ainda não está completamente assente no meu espírito, mas é a única forma de conseguir viver fora das paredes almofadadas da cela de um hospital psiquiátrico. Existem forças no universo que são simplesmente demasiado poderosas para serem convertidas sistematicamente em palavras. O infinito indiferente não destrói o finito quotidiano apenas porque não compreendemos tudo. A vida vale a pena viver e poderá não ter qualquer significado. O amor é uma expressão do infinito cósmico e é um subproduto evolutivo de uma realidade finita. Isto foi o que Kierkegaard chamou de ironia. A capacidade de viver com a presença simultânea de duas noções opostas.

Eu sei que esta visão é logicamente imperfeita. Não afirmo possuir toda a verdade, nem tenho a certeza de possuir alguma verdade. Tendo em conta o pouco que sabemos da nossa realidade extraordinariamente complexa, seria ilusório e arrogante afirmar que atingi a verdade num plano existencial superior. Apesar de tudo isto, eu não aceito o agnosticismo. Eu não penso que estas verdades são incognoscíveis. No seu estado actual, os nossos pobres cérebros humanos são incapazes de compreender aquilo que não está relacionado directamente consigo mesmo e com a metodologia de organização sensorial das suas formas limitadas de percepção. É na computadorização exponencial do futuro e nas descobertas vertiginosas da física quântica que residem a esperança iluminada do esclarecimento.

Tenho apenas uma certeza – algo existe. Algo ao invés de nada. Eu não sei porque nascemos, mas sei que nascemos. Eu não sei de onde viemos, mas sei que estamos aqui. Eu não sei para onde vamos, mas sei que quero ir. Estaria a mentir se dissesse que me sinto completamente seguro na minha posição filosófica e que não tenho momentos de desespero que tendem mais para a visão do pessimismo do que para o optimismo. Mas, na maior parte das noites, quando pouso a cabeça na almofada, estou extremamente grato por estar aqui. Há uma imagem mental a que recorro quando estas dúvidas são mais fortes e as preocupações da minha vida parecem irrelevantes neste universo indefinível. Nos documentários da vida animal existe a cena clássica – a passagem migratória das zebras num rio povoado por crocodilos. Inevitavelmente, uma das zebras é atacada e tenta fugir desesperadamente do poderoso réptil. A sua repulsa por essa violência é tamanha que chegamos a observar situações em que o animal tem um dos membros preso nas mandíbulas, mas continua a tentar libertar-se e chegar à segurança da margem. Esse desespero instintivo, essa recusa brutal da morte em todas das coisas vivas, é a minha canção de embalar, as notas reconfortantes que me levam a fechar os olhos com a esperança de viver e a vontade de voltar a abri-los no dia seguinte.

segunda-feira, 3 de março de 2014

O Templo Suburbano


Com o furor que se instalou depois do deflagrar de armas químicas no conflito sírio, não entendo por que razão ainda não se produziu um chiqueiro comparável relativamente ao crime contra a humanidade que é a aerosfera das lojas modernas de roupa. Pelo menos na Síria estamos a falar de uma substância que causa uma morte quase instantânea, enquanto nas lojas de roupa estamos a lidar com gases tóxicos cujo objectivo parece ser o de infligir o máximo de sofrimento injustificado sem acabar com a vítima.

A morte é um fenómeno que ainda experienciei e que não tenho qualquer intenção em experienciar, mas julgo pelo menos ter a certeza de que este representa o fim de percepções sensoriais terrenas como o olfacto. Nas lojas de roupa dos centros comerciais não temos a hipótese de desfrutar desse alívio agridoce. As Zaras e as Mangos insistem em disseminar versões diferentes de um gás tóxico que pode ser descrito como um perfume de avó francesa com um toque de antraz. O ar é de tal forma espesso que este aproxima-se perigosamente do estado sólido. Não sei decifrar o motivo para este atentado contínuo. Eu quero comprar uma camisa nova, mas a impossibilidade de me manter dentro de uma loja durante mais que dois minutos seguidos dificulta a selecção, experimentação e pagamento de uma peça de roupa.

Infelizmente, este nem sequer é o pior atributo dos centros comerciais. Aos Domingos, estes templos pós-modernos atraem hordas suburbanas de pessoas que apreciam desmesuradamente o acto de vaguear sem rumo por corredores labirínticos de lojas. Durante a temporada fria, o aquecimento do recinto parece atraí-los, como répteis de sangue-frio a realizarem a termorregulação homeostática ao sol. Qualquer passeio por uma cidade portuguesa de pequena-média dimensão transmite o clima de uma geografia pós-apocalíptica. No entanto, o mundo não acabou. Simplesmente migrou temporariamente para os centros comerciais. É por essa razão que tendo a evitar estes espaços com a mesma aversão que me leva a evitar a costa da Somália e o deserto do Chade. Sartre já dizia que o inferno são os outros, mas ele nem sequer podia imaginar a danação misantrópica que o esperaria num centro comercial.

Não julgo ter alguma perspectiva nova sobre o fenómeno do consumismo, nem quero compor qualquer diatribe sobre os perigos da alienação individual causada pelo malvado sistema capitalista. Não é isto que me preocupa. É a incapacidade humana de simplesmente estar. É a mesma razão que leva alguém a preferir automaticamente a televisão a um livro. A razão pela qual se pensa que a verdadeira ameaça à democracia está nos mercados financeiros, ao invés da tendência assustadora da abstenção. É esse motivo que leva alguém a não querer estar informado. É o que origina a incapacidade de finalizar uma viagem de carro antes de responder a uma mensagem escrita. É a força motriz da propagação de redes de internet sem fio, com objectivo final de transformar o mundo num inferno conectado em banda larga.

Os centros comerciais vivem dessa deficiência moderna. Eles preenchem o vazio que surge das deambulações hiperactivas de um reduzido limiar de atenção. O chocante é que, além do simples acto de compra, nenhuma função, actividade ou prática significativa pode ser desempenhada nessas catedrais. Eu não tenho nenhuma recordação importante de algum momento passado num centro comercial. Apesar disso, é ali que, cada vez mais, congregamos e comungamos à procura de nada em particular. Toda a estrutura é desenhada de forma a alimentar essa procura fútil. Os estímulos são sobrecarregados. A ideia é atenuar ao máximo os efeitos da imaginação. O ar é quente e perfumado. O sistema de som transmite constantemente música insuportável. As luzes são intensas e variadas. As cascatas cospem água. Os anúncios no altifalante fazem promessas babilónicas. Todos parecem confortáveis. A multidão percorre o espaço alegremente como cavalos mecânicos a girar num carrossel abandonado.