quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

O tempo em que se fumava nas redacções

Agora que Marcelo Rebelo de Sousa abandonará o seu espaço de comentário televisivo, abre-se um vazio na recomendação de livros às treze ou catorze pessoas que ainda os lêem em Portugal. Eu visto esse fardo e faço-o para juntar a minha voz no aconselhamento de um livro já muito comentado e anunciado. A Máquina de Tritura Políticos conta a história do jornal O Independente, fundado por uma dupla tão bizarra quanto popular: Miguel Esteves Cardoso e Paulo Portas.
É a história de um amor improvável entre um bon-vivant e um incansável trabalhador, entre um homem da cultura e um homem da política, entre um génio da arte e da análise e um mestre do tacto humano e do atrevimento. Que caminhos distintos seguiram: um leva vida pacata e respeitada; outro despiu-se definitivamente dos poucos escrúpulos e fez mal a ele e ao país.
O Independente era um jornal de direita, conservador, liberal e patriótico. Mas era sobertudo audaz e inovador. Rasgou convenções e modernizou a informação. Viver a recente história política ao olhos de uma redacção de jornal única no país é um exercício lúdico e incomensuravelmente útil. Caras conhecidas noutros contextos originam divertidas contradições e confirmações, principalmente para a minha geração. Nasci em 1990, pelo que grande parte dos acontecimentos descritos no livro foram contados por terceiros, ou de todo desconhecidos, mas nunca vividos.
Antes de ler a obra, as minhas maiores reservas prendiam-se com a escrita. É na verdade empolgante, inteligente, clara e surpreendentemente burlesca. Ler este livro diverte imenso. E fez renascer a visão romântica do jornalismo que se foi esvanecendo em mim: uma visão de contra-poder, de feridas abertas, de luta por ideais. Numa redacção carburada a cigarros, álcool e drogas, não se passavam dias a reescrever o que assessores entendem como informação útil. Esmiuçavam-se as mais ínfimas entranhas do tecido social.
Não era um jornal promotor da igualdade; era até elitista e sobranceiro. Mas lutou para mostrar que quem detém o poder no mundo não sabe mais  do que os restantes. Não é necessariamente mais capaz, mais experiente ou mais apto. Apenas fez as opções certas. Cabe ao jornalismo expor as deficiências do sistema. Que falta fazia um Independente no Portugal deste século.

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