sábado, 9 de janeiro de 2016

Teimosia Dogmática

É sabido que a demagogia é o lado negro da democracia. Usamos do sufrágio para escolher a pessoa mais fiável. De forma a mostrar que são eles a pessoa procurada, os políticos optam por usar todo o tipo de artimanhas questionáveis para pôr em causa o adversário, o que desde logo deveria pôr também em causa a sua própria moralidade. É uma pescada de rabo na boca, ingrata e inevitável. Nas eleições presidenciais, em que toda uma carreira e percurso político são avaliados, vasculhar o passado do oponente é o 1.0.1. da estratégia. Isso é aceite e em muitas medidas útil. O problema é que isto pode ser anulado por algo que todos nós deveríamos saber reconhecer: se aquilo que um dia fomos representasse o que somos, tudo o que fizemos entretanto foi em vão.

Quero esclarecer que não me refiro às contradições em que Marcelo, como outros políticos, entram para agradar a todos ou salvar a sua imagem. Apenas argumento que ir buscar atitudes do passado que não estão intrinsecamente erradas, mas que contradizem o que a pessoa em questão defende ou faz no presente, é a admissão de que a teimosia é melhor que a humildade.

Pessoas que adaptam a opinião à realidade deviam ser as mais confiáveis por serem as mais razoáveis. Não falo de valores, falo de ideias. Se alguém mantivesse as mesmas opiniões e postura ao longo das décadas, seria para mim um político de menos valor, porque não se demonstrou aberto à mudança, à evolução. Alguém inteligente tem a sua sustentação argumentativa, mas se alguém discordar de si e a sua justificação for argumentativamente, factualmente e legitimamente mais lógica, uma pessoa inteligente está aberta a mudar a sua perspectiva. Como pode mudar com novas leituras, com novas experiências. A personalidade política de qualquer um, político ou cidadão, está em constante mutação. As convicções que permanecem estáticas são as que estão ligadas a dogmas, e isso é bem mais perigoso do que alguém que tem a modéstia de alterar a sua percepção do mundo.

Quando Platão apresentou a postura de Sócrates, resumida na famosa máxima "Eu só sei que nada sei", não fez uma declaração da sua ignorância ou falta de carácter; mas sim de que a realidade desconhecida é imensamente maior e mais relevante do que a sua visão da realidade por si percepcionada.

É preciso mudar a hierarquia de valores humanos: quando a teimosia é encarada como força e convicção e é mais valorizada do que a humildade socrática, estamos no caminho da guerra eterna. Porque o tipo de mentalidade assente num leque de opiniões estagnado é um obstáculo ao avanço civilizacional e está na origem da falta dos consensos; consensos pelos quais os promotores desta filosofia ironicamente rogam até à exaustão. Na política, há uma vergonha explícita de, ao mudar ou ceder, ser-se considerado fraco. Para mim, alguém forte seria precisamente alguém que não se submetesse a essa vergonha. 

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