domingo, 10 de janeiro de 2016

Trumpianço

Hoje é a cerimónia dos Globos de Ouro e eu aproveito para criar uma nova categoria e desde já atribuir o prémio. O Globo de Ouro para a crónica mais estúpida de 2016 vai para... este palhaço.
Exaltei-me. Fui violento, e devo corrigir-me. Fazer juízos de carácter baseados numa opinião é injusto e de baixo nível. Desconhecia o sujeito. Chama-se Gustavo Cardoso, é professor do ISCTE-IUL em Lisboa e investigador do College d'Études Mondiales na FMSH, em Paris.
Devo dizer-me surpreendido: para alguém com essas credenciais, demonstra uma gritante falta de conhecimento das diferentes realidades políticas. Associa duas pessoas que são antagónicas em tudo, usando como ponto em comum terem tido ambos espaço na televisão antes de se candidatarem. É apenas isso.
Tento ser organizado na desconstrução das ideias das pessoas de quem discordo. Aqui não há sequer muito por onde explorar. Ou há tanto que é trabalho ingrato. A grande falácia nisto tudo é a equivalência de credibilidades. O autor coloca Marcelo e Trump na mesma categoria de "celebridades", o que é de um ultraje risível. Coloca um reality show ao mesmo nível de um programa de comentário da actualidade política. Coloca um idiota herdeiro de uma fortuna a um professor catedrático, antigo líder do PSD e respeitado opinion maker.  Porque a imagem que Marcelo construiu ao longo dos anos foi sempre dentro da área política. Ele usou de uma plataforma para expor a sua personalidade política e ganhar dessa forma o respeito dos espectadores. Dizer que Marcelo é o Trump destas eleições, como o Sr. Gustavo Cardoso faz explicitamente, é insultar todos os que respeitam o professor, e esse é um grupo que vai muito mais além daqueles que irão votar nele.
Não estou portanto a fazer apenas aqui a apologia de Marcelo. A comparação não é apenas ofensiva para ele, mas para todo o sistema político português. A condescendência do último parágrafo é injuriosa, sendo também irónica: acusa indirectamente o eleitorado português de superficialidade, depois de ele próprio apresentar toda uma análise leviana e oca.
Relacionado com este ponto, é incontornável abordar a questão das capacidades intelectuais de ambos. São tão díspares que seria de esperar que um investigador de renome as tivesse suficientes para ter vergonha em sequer ousar fazer tal comparação. Trump é, objectivamente, um homem ignorante e desconhecedor. Enunciar as demonstrações de estupidez do Sr. Trump, mesmo que me cingisse às mais escandalosas, daria a este texto dimensões impublicáveis.
Qualquer candidato que fizesse ou dissesse as coisas que Trump fez e disse era automaticamente excluído pelo povo português. Não estou a referir-me ao seu racismo: a extrema-direita cresce exponencialmente também na Europa. Estou a falar da sua nítida, palpável e manifesta estupidez. Há uma grande avanço civilizacional, para não dizer intelectual, do cidadão comum europeu em relação ao cidadão comum norte-americano. Nós já não vamos com merdas óbvias. Os truques baratos e a estupidez pornográfica são imediatamente denunciados. É por isso que Obama, na segunda eleição, ganharia por uma margem brutal na Europa e na sua terra não foi assim. Eles estiveram na iminência de eleger um mórmon psicopata. Não há comparação possível entre os nossos maus políticos e os maus políticos deles.
O autor desta crónica teve um lampejo de inspiração divina. Ocorreu-lhe a brilhante associação de dois candidatos de contextos tão distintos, por ambos aparecerem regularmente na televisão antes de se candidatarem. Tentou partir dessa premissa para construir todo um texto que, por não ter o mínimo alicerce argumentativo, se tornou redundante e entediante. Sem ponta por onde se lhe pegue.
Esta comparação descabida entre Trump e Marcelo só terá uma de duas origens: o autor está ciente do ridículo da comparação, mas é um potente instrumento de campanha contra o professor, usando-se de um proeminente órgão de comunicação para deitar ao lixo o seu descaramento e brindar-nos com críticas gratuitas; ou o Sr. Gustavo Cardoso acha mesmo que as duas personagens são "celebridades" realmente comparáveis e confirma que se trata de um analista superficial, desconhecedor e com uma preocupante dificuldade em distinguir os conceitos de fama, reputação e mediatismo.
É triste. Mas podemos aproveitar todos para nos regozijarmos do facto de, aparentemente, as nossas "celebridades" serem cada vez mais elitistas. O Sr. Gustavo Cardoso não vê diferença entre Medina Carreira ou Miguel Esteves Cardoso e os concorrentes da Casa dos Segredos. Não nos trate então com tamanha condescendência, Sr. Gustavo Cardoso: haverá povo intelectualmente mais evoluído do que este?

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