quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Um cretino cheio de vinténs

Contestei imediatamente o prémio FIFA para o melhor treinador de 2015, ganha por Luis Enrique. Para mim, um prémio individual destes deve ser dado ao treinador que mais clara influência positiva teve no sucesso do conjunto por si treinado, sendo Sampaoli, seleccionador chileno, o exemplo perfeito disso mesmo. Não tenho dúvidas, no entanto, de quem seria o claro vencedor caso elegessem o pior treinador do ano. E, pasme-se, não escolheria Lopetegui: Van Gaal seria a minha imediata nomeação.
Primeiro, algum contexto: Van Gaal é um treinador com estatuto e currículo. O grande destaque da sua carreira terá sido a conquista da Liga dos Campeões em 1994/95 ao serviço do Ajax, com uma fantástica equipa em que figuravam os nomes de Van der Sar, Danny Blind, Rijkaard, Litmanen, os irmãos De Boer, Edgar Davids, Overmars ou Patrick Kluivert. Treinou também com bastante sucesso o Barcelona, com óbvio sucesso o Bayern de Munique e com relativo sucesso a selecção holandesa. Já no Manchester United, o seu actual clube, "sucesso" não tem sido um termo muito usado para classificar a sua prestação. Porém, pior do que isso, Van Gaal tem chocado pelos seus comentários públicos desmedidos. Muitos treinadores demonstram não ter papas na língua ao longo da carreira: os casos de Jesus e Mourinho são óbvios exemplos para nós. Mas o sucesso costuma ser um pré-requisito para esse tipo de atitude pública.
Vamos a alguns exemplos destas declarações públicas descabidas, e vamos cingir-nos a esta época desportiva. Este Verão, a contratação de Martial chocou o mundo do futebol, pelos astronómicos valores pagos por um jovem de vinte anos ainda pouco mediatizado. Quando se trata de um jogador de tão tenra idade, é preciso toda a cautela para que a loucura capitalista em que se tornou o jogo não o afecte psicologicamente ao ponto de afectar o seu rendimento. Isto é senso comum. Não para Van Gaal: em vez de desvalorizar absolutamente o valor e proteger o jogador da máfia que circunda o negócio futebolístico, o holandês fez questão de classificar publicamente o preço de Martial como "grotesco". Quando Martial marcou três golos nos seus primeiros três remates pelo clube, Van Gaal não se prontificou a engolir. Encolheu os ombros, e por entre elogios forçados, não se conteve em fazer uma desvalorização, atribuindo também o seu sucesso à sorte.
A meio da época, depois da época passada não ter passado do quarto lugar e depois de na época actual já ter sido eliminado da Liga dos Campeões e de ocupar o sexto lugar no campeonato, considerou que o ano de 2015 foi "muito bom". Na segunda época à frente do clube mais titulado do futebol inglês, com dezenas e dezenas de milhões para investir no plantel, num dos clubes com mais associados do mundo, Van Gaal acha que está a fazer um bom trabalho e di-lo sem aparente ponta de vergonha.
Outra, porventura a minha favorita, pelo descaramento quase trumpiano: Van Gaal alegou ter sido o primeiro a usar bloco de notas no futebol. Não há muito que comentar ou provar aqui, na verdade. Acreditar realmente nisso seria crer que, nos mais de cem anos de futebol que antecederam Van Gaal, todos os treinadores tinham todas as suas ideias e planos na cabeça, ou então escreviam-nos em guardanapos, ou em papiro, ou em pedras como os mandamentos. Deixem-me reforçar isto, porque o ridículo é tal e deixa-nos de tal forma abananados que nem dá para reagir condignamente: Van Gaal começou a treinar nos anos 90 e acha que foi o primeiro treinador a usar um caderno para tirar notas.
Se o leitor abriu o link do parágrafo anterior para confirmar a veracidade da descabida afirmação, ter-se-á deparado com o magnum opus das declarações ultrajantes de Van Gaal: ele afirmou, preto no branco, que ganha montes de dinheiro e que não faz trabalho nenhum. Outros fazem o trabalho por ele. Não dá para imaginar uma situação mais adequada para uma entidade patronal despedir alguém, ou no mínimo baixar o salário, quando o próprio empregado admite não fazer nada e receber muito dinheiro para isso. O despudor é tal que não me alongarei mais a constatar o óbvio.
Todas as semanas há mais bacoradas. Para a Taça de Inglaterra, e dado o apertado calendário do futebol britânico, as equipas costumam rodar os onzes de forma a descansar os jogadores importantes e dar minutos aos menos utilizados, principalmente quando jogam contra adversários menos cotados. Era o caso do United, que recebeu o modesto Sheffield United, sétimo classificado do terceiro escalão do futebol inglês. Van Gaal decidiu manter os titulares. Jogou pelo seguro, são as suas opções, preferia despachar o jogo com facilidade, não dá para atacá-lo por isso. A verdade é que a equipa venceu já na compensação, com um golo de penalty. Os adeptos, compreensivelmente descrentes com mais uma exibição inócua, começaram a abandonar o estádio antes do final da partida. Quando confrontado com este facto, Van Gaal voltou a zombar toda o grupo de pessoas que suporta a instituição, ao adiantar que os adeptos poderiam ter saído mais cedo para fugir do trânsito.
Van Gaal persiste em usar do seu estatuto para desrespeitar a dimensão de um clube com uma história  tão vasta e na qual o holandês não passará de uma fase negra, de um erro de casting, de um período de embaraço. Entrou numa fase de loucura arrogante, de autismo presunçoso. Uma embaraçosa insolência, insustentada e despropositada.
Não sou apoiante do United, mas amantes do futebol como eu vimos apaixonadamente os red devils a conquistarem a Europa sucessivamente. Vimos Sir Alex Ferguson com Giggs e Scholes, Schmeichel e Beckham, Gary e Phil Neville, Andy Cole e Dwight Yorke, Ronaldo e Rooney, Ferdinand e Vidic. Vimo-lo, muitas vezes, a fazer omoletes sem ovos. O futebol não precisa da sua ilusão de grandeza, Sr. Van Gaal. O futebol precisa, isso sim, de um United de volta ao seu merecido sucesso. E precisa que o senhor se esconda, com o primeiro bloco de notas algumas vez usado no futebol, a chorar saudosamente o já ido tempo em que as suas ideias tiveram relevância. É que se é para o senhor não fazer nada e ganhar muito dinheiro, deixe a direcção do seu clube dar o seu dinheiro a alguém que não seja um cretino.

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